“Ativistas da Femen são presas durante protesto em São Paulo
Três ativistas brasileiras da Femen - organização feminista criada na Ucrânia conhecida por fazer protestos sem roupa - foram presas ontem, em São Paulo.
O trio fazia uma manifestação em frente ao consulado russo, na avenida Lineu de Paula Machado, na zona sul.
Elas pediam a liberação das integrantes da banda punk Pussy Riot, que estão sendo julgadas por fazerem um protesto em uma igreja de Moscou contra o presidente russo Vladimir Putin, em fevereiro.
Elas também jogaram água com tinta no muro do consulado. O protesto durou menos de dez minutos.
A Deatur (Delegacia Especializada de Atendimento ao Turista), responsável pelo caso do grupo Femen, informou que faria um termo circunstanciado - uma espécie de boletim de ocorrência para crimes de menor potencial - por atentado ao pudor e crime contra patrimônio publico”.
Há dois erros aqui: o primeiro é que é impossível elas terem sido presas por atentado [violento] ao pudor. Esse crime deixou de existir em 2009. Ele consistia em qualquer forma de sexo feito sob violência ou grave ameaça, exceto introdução do pênis na vagina (o que era estupro). Desde a nova lei publicada em 2009, os dois crimes (atentado violento ao pudor e estupro) foram incorporados em apenas um: estupro (a pena máxima é de 10 anos).
O crime pelo qual foram presas em flagrante é chamado ato obsceno, que significa praticar um ato obsceno em lugar público ou exposto ao público (a pena máxima é de 1 ano).
Ato obsceno é aquele que fere a moralidade pública. No caso, mostrar os seios no meio da rua. Note que obscenidade é uma avaliação subjetiva e vai depender da cabeça do magistrado. Para muitos, as mulheres devem ter o mesmo direito de mostrar seus peitos que um homem. Ninguém prende um homem andando sem camisa pela rua (aliás, recentemente nos EUA a Justiça decidiu que tirar toda a roupa para protestar não é ato obsceno, mas o exercício da liberdade de expressão).
Pode parecer um erro insignificante ou que só interessa aos juristas, mas a diferença não é só em uma pena dez vezes maior: uma das causas do grupo é o combate aos crimes sexuais. Dizer que foram presas for atentado violento ao pudor seria a mesma coisa de dizer que foram presas por cometerem estupros, o que obviamente não foi o caso.
O segundo erro é o crime contra o patrimônio público. O crime pelo qual foram presas chama-se dano qualificado (art.163, parágrafo único, inciso III): “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia (...) Se o crime é cometido: contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista”.
Mas existe um problema em prendê-las pelo dano qualificado: o consulado ucraniano não é patrimônio público da União, do Estado ou do município. Ele é um patrimônio pertencente à representação de outro país ou particular (se for alugado). Logo, elas não podem ter cometido o crime de dano qualificado. O crime que provavelmente cometeram foi o de dano (simples) que é idêntico ao qualificado, mas cometido contra o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica privada. A pena é de, no máximo, 6 meses (se fosse qualificado, a pena máxima seria de 3 anos).